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Na noite do domingo 10 de março, enquanto as nuvens do sono não chegavam, meus pensamentos mergulhavam na escuridão do Brasil. Por associação de ideias, lembrei-me do cubano Huber Matos e de seu livro “Como chegou a noite” (Como llego la noche). Em palavras do próprio Fidel, Matos era o segundo nome entre os comandantes da revolução, vindo logo após o irmão Raúl, com precedência sobre o próprio Che Guevara. Mesmo assim, por escrever a Fidel uma carta reprovando sua adesão ao comunismo, foi condenado a 20 anos de prisão por crime de traição e teve de cumpri-los integralmente. Duas décadas no infame cárcere cubano por uma carta pessoal ao “amigo” Fidel. É bem próprio dos autoritarismos e totalitarismos, punir exemplarmente e exibir a musculatura de seus poderes.

Decidi escrever um artigo com as razões da ideia que dá título a este texto e me perdi nas nuvens do sono. Ao acordar, ainda deitado, coincidência ou não – vá saber! – deparei-me, na Gazeta do Povo, com o artigo “Dez anos da Lava Jato” escrito por Sérgio Moro. Dele, extraio alguns dados que informarão este texto.

Antes daquela notável operação, a sociedade brasileira teve que curar as feridas de sua decepção com a Ação Penal 470, que chegou ao plenário sete anos depois de estourar o escândalo. E só foi julgada graças à teimosa persistência do relator, ministro Joaquim Barbosa. Ainda assim, “maiorias de circunstância”, como ele mesmo identificou, fizeram com que nenhum político condenado permanecesse recluso. A face podre do Brasil seguiu em frente.

A Lava Jato, pouco depois, proporcionou à nação novo período curtindo a esperança de um renascimento moral. Do artigo de Moro recolho a seguinte síntese sobre os êxitos da Lava Jato:

Os números variam, mas, considerando apenas a Lava Jato em Curitiba, houve 174 condenados em julgamentos de primeira e segunda instância, 132 prisões preventivas, 209 acordos de colaboração e 17 acordos de leniência com empresas. A Petrobras, em notas oficiais, confirmou que recuperou mais de R$ 6 bilhões graças à Lava Jato.

Noutra parte do artigo, Moro acrescenta que “as condenações de Curitiba foram, em sua quase totalidade, confirmadas pelo TRF4 em Porto Alegre (RS) e muitas ainda em Brasília, pelo STJ, isso antes do início da sanha anulatória por tecnicalidades".

Tais sucessos seriam muito menores se não estivesse em vigor a possibilidade de prisão após condenação por segunda instância. A torrente de confissões, delações e acordos que se seguiu foi desencadeada pela perspectiva de cadeia em curto prazo. Os autores conheciam bem os rentáveis crimes que haviam cometido. A Lava Jato e as condenações de Curitiba, no entanto, indignavam e causavam inconformidades no plenário do Supremo.

 Ah, leitor amigo! Quando penso no tratamento dispensado aos certos “réus perante o Supremo”, em especial aos incógnitos plebeus presos em 8 de janeiro, pergunto a mim mesmo onde foram parar a compaixão e o zelo humanitário e processual devotados aos nobres bilionários investigados pela Lava Jato...

“Love is in the air”, diz conhecida canção de John Paul Young. Como o amor, a motivação para a “Meia volta, volver!” de Curitiba estava no ar desde o dia 7 de novembro de 2019. Em recente declaração, interrogado sobre o voto decisivo que deu, mudando de posição sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o ministro Gilmar Mendes, para espanto geral dos ingênuos, admitiu:

Com a configuração de todo o quadro, acabei fazendo uma leitura política e anunciei, na Turma, que não seguiria mais a jurisprudência e mudaria de posição quando o caso fosse levado ao plenário.

O resultado dessa específica leitura política foi o fim do caminho de ida e o início do caminho de retorno. Como se o sertão virasse mar e o mar virasse sertão, abriram-se os portões dos presídios, Lula foi para casa, a Lava Jato para o congelador, trabalho de hacker virou peça de acusação, o juiz foi declarado suspeito, o líder da força-tarefa perdeu o mandato de deputado federal, o maior escândalo de corrupção da história não tem mais nenhum culpado e o Brasil tem os corruptos mais inocentes do mundo. Como proclamou a Globo, nada devem à Justiça!

As consequências são conhecidas, inclusive para quem ouse dizer o que pensa. A despeito disso, no contexto das afirmações viáveis, ela não morreu na minha memória pelo valor que atribuo ao seu trabalho, pela leitura que faço daquele período e pelos discursos que ouvi em seu prolongado funeral. Na História e na memória onde retenho aquelas emoções, eu encontro a força necessária para dizer, lembrando o título deste artigo: se a Lava Jato não sobreviver em nós, todos morreremos um pouco como cidadãos brasileiros.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras - puggina@puggina.org

* Os textos (artigos) aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do GRUcom -  Grupo União de Comunicação (Jornal União/Portal www.jornaluniao.com.br/Rádio e TV Jornal UniãoWeb).

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