Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

O atual modelo econômico parece se sustentar na equivocada premissa de que os recursos materiais do planeta são ilimitados. Cerca de 90 trilhões de toneladas de minerais, combustíveis fósseis e biomassa são consumidos anualmente, três vezes mais que em 1970. A persistirem as tendências atuais, o consumo de recursos materiais globais irá duplicar até 2050, colocando em sério risco recursos como água, ar, solo e biodiversidade. Realidade que coloca em evidência o erro de design na economia tradicional, que precisará ser reinventada para atender às necessidades da sociedade e ao mesmo tempo salvaguardar a integridade dos ecossistemas.

A agricultura e o sistema alimentar estão no cerne deste desafio por serem importantes usuários de recursos naturais, frequentemente considerados impulsionadores da crise climática que atinge todo o planeta. É preciso reconhecer que o capitalismo industrial e a agricultura moderna que dele emergiu ajudaram a retirar milhões de pessoas da pobreza, melhorando padrões de vida e o bem-estar humano no último século. No entanto, as intervenções massivas que promovem na natureza estão levando ao rompimento de equilíbrios necessários para uma relação harmônica entre os sistemas humanos e naturais.

Os humanos construíram uma jornada exitosa no planeta observando os sistemas naturais e fazendo intervenções para adaptar plantas, animais e os ecossistemas às suas necessidades. Mas, em diversos momentos dessa trajetória, tais intervenções passaram a ignorar equilíbrios críticos, refinados por milhões de anos de tentativa e erro e garantiram resiliência e durabilidade à natureza.  O rompimento de tais equilíbrios com o fim de criar benefícios de interesse exclusivamente humano, em prazos cada vez mais curtos, coloca em risco a saúde do planeta e, no limite, poderá comprometer a própria viabilidade da sociedade.

É por isso que a agricultura e os sistemas alimentares estão pressionados a se alinhar a princípios que foram aperfeiçoados há milhões de anos e codificados nos seres vivos e nos sistemas naturais, muito antes da evolução humana e da criação da agricultura, das indústrias, do comércio ou de qualquer outro artefato moderno. É urgente que busquemos mimetizar a natureza na sua capacidade de integrar sistemas complexos, usando recursos com eficiência, incorporando resíduos a processos e produtos úteis, conservando solo e água, fixando mais que emitindo carbono, maximizando eficiência energética, dentre muitas outras funções.

Tais avanços facilitariam a nossa jornada na direção da tão almejada sustentabilidade, que não é nada mais que a reconciliação entre os sistemas humanos e a natureza. Para a agricultura, tal reconciliação dependerá da revisão do conceito de performance, tradicionalmente associada a quantidade de alimentos ou matérias primas produzidos em um determinado espaço e traduzida em ganho econômico. O mundo que clama por sustentabilidade já exige da agricultura medidas mais sofisticadas de performance, centradas não apenas em produção física e lucratividade, mas também em ecoeficiência, em benefícios sociais e práticas gerenciais eticamente aceitáveis, todos embebidos nas suas operações, processos e produtos.

É por isso que a agricultura baseada em intervenções massivas no ambiente vai rapidamente perdendo o suporte da sociedade. Por exemplo, monoculturas a perder de vista no horizonte dificilmente se adequarão aos padrões e métricas exigidos por clientes, acionistas e consumidores cada vez mais atentos aos preceitos de sustentabilidade que se consolidam globalmente. Até porque a ciência já demonstra a viabilidade econômica de sistemas produtivos mais amigáveis, que mimetizem sistemas naturais e ampliem a possibilidade de se produzir alimentos de maneira economicamente viável utilizando insumos e serviços ambientais de forma parcimoniosa e segura.

Em artigo recentemente publicado na revista científica Nature Food (Vol 2:330–338, 2021) cientistas americanos descrevem um amplo estudo da complexidade das paisagens rurais em 3,100 municipalidades nos EUA, entre 2008 e 2018. Eles concluem que o aumento da diversidade nos ambientes agrícolas não só  protege a natureza, mas contribui para aumentar a produção das lavouras em até 20%. Para os autores, ao contrário de investir em monoculturas ou em abertura de novas áreas para suprir mais alimentos, faz mais sentido imitar a natureza, buscando ampliar e fortalecer a produção pela ampliação da diversidade nas paisagens agrícolas.

Esta percepção já se consolida também no Brasil. A Embrapa e parceiros vem há décadas aperfeiçoando e disseminando sistemas produtivos mais complexos, combinando plantações, criações e florestas, manejados de forma permanente no mesmo espaço. Tais sistemas, conhecidos como Integração Lavoura-Pecuária-Florestas (iLPF), tem se revelado não só economicamente viáveis, mas também capazes de reduzir emissões de gases de efeito estufa – viabilizando produção carbono-neutro, aumentando a resiliência climática e promovendo a utilização mais inteligente de insumos e serviços ambientais. É a ciência dando mostras da viabilidade de uma agricultura mais limpa, de base renovável, em sintonia com a natureza e com as expectativas da sociedade.

Maurício Antônio Lopes - Pesquisador da Embrapa

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.