Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

É indiscutível a importância da água para todas as manifestações de vida, assim como para a sociedade e para a economia. O Brasil, que sempre teve uma das melhores condições hídricas do planeta, está se tornando um país árido. Essa aridez, cada vez mais severa, já está trazendo inúmeras dificuldades e prejuízos a vários setores e regiões. Está em curso uma trajetória que poderá inviabilizar por completo a forma de organização social contemporânea e futura – ou seja, o nosso bem-estar e o bem-estar das próximas gerações.

Adam Smith, considerado o pai da economia, foi um dos formuladores da ideia de bem-estar, que estava associada à riqueza de uma nação. Smith também contribuiu para a teoria do valor e, visando tornar a ideia inteligível, formulou o que se conhece como “paradoxo da água e do diamante”. O autor perguntava a razão de o diamante ser mais valioso se a água é muito mais útil. A explicação dada por Smith consiste no fato de que o diamante era escasso enquanto a água era abundante. 

De fato, com exceção de algumas regiões, a água, em razão de sua abundância, nunca foi vista como um elemento precioso. No Brasil, excluindo o sertão do Nordeste, as demais regiões, até pouco tempo atrás, nunca haviam se defrontado com problemas persistentes de escassez ou seca. A água, nesses locais, sempre foi considerada abundante. Havia, ainda, a ideia de que ela nunca se esgotaria, com renovação a cada chuva, como um presente dos céus. Essa ideia acompanhou a ocupação do território brasileiro, a conversão de espaços naturais em áreas de produção agropecuária, a formação e o crescimento das cidades, a geração de energia e a industrialização, por exemplo.

Atualmente, contudo, o quadro é amedrontador, e há vários fatores que contribuem para essa situação. Para enumerar alguns, deve-se ressaltar, primeiramente, a existência de uma mentalidade no Brasil de que todo recurso deve ser explorado a qualquer custo, a despeito dos custos ambientais. O agente que explora o recurso incorpora os ganhos, mas é a coletividade que arcará com os prejuízos. O segundo fator é o desrespeito, com poucas exceções, às leis ambientais, pois elas sempre têm sido vistas como sandices para atrasar o tal crescimento econômico. O terceiro envolve desprezar e desmerecer o alerta da comunidade científica, que já vem avisando há anos sobre o agravamento dos problemas ambientais. Em quarto lugar, temos um governo completamente obtuso à temática ambiental. 

O caso do Brasil, convém salientar, é duplamente complexo, pois além de compartilhar com os demais países a crise global do clima, ainda se defronta com uma questão interna, que é o avanço desenfreado do desmatamento da floresta amazônica, cuja consequência é a interrupção dos chamados rios voadores e o desequilíbrio de outros biomas, como Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. Esses rios voadores são correntes de umidade vindas da Amazônia que garantem mais de sessenta por cento das chuvas das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A grande questão é que essas correntes de umidade necessitam da floresta, mas o desmatamento cessa esse fluxo. Problemas de racionamento de água para a população, usinas hidroelétricas com risco de paralisação e perdas na produção agropecuária são alguns dos exemplos mais imediatos da interrupção dos rios voadores gerada pelo avanço do desmatamento.

É cognoscível que o avanço do desmatamento na região amazônica está inviabilizando o resto do país em muitas atividades, inclusive em relação à própria produção agropecuária. Da mesma forma como desde a década de 1990 está em curso no país a desindustrialização, corre-se o risco de haver uma “desagropecuarização”, ou seja, a inviabilização da atividade agropecuária por conta de falta de condições ambientais. 

Nesse cenário, é urgente o empenho de toda a sociedade para interromper o desmatamento e tomar as medidas necessárias para restabelecer as funções ambientais da natureza. Preservar a Amazônia não é apenas algo que se finda na própria região Norte ou que ocorre para agradar a algum país estrangeiro: é necessário para assegurar a viabilidade e as condições fundamentais para que o Brasil continue a trilhar o caminho do desenvolvimento e da melhora do bem-estar da população. Mas as ações devem se estender em todo o território nacional, por meio da combinação de políticas federal, estadual e municipal. Caso contrário, em breve estaremos trocando diamantes por um pouco de água.

Rodolfo Coelho Prates é doutor em Economia e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). 

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.