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Artigos e Opinião 29/08/2019  06h38

À mulher

Ainda que sob uma cachoeira lacrimosa, despejada da memória de uma esplendorosa criança, quando fostes animalescamente aviltada, procure compreender que seu fiel companheiro de hoje busca sua resiliência, normalidade que se reconquista depois de todas as doenças e lembra aquele momento de sol posterior à chuva, quando a natureza sorri e as relvas das calçadas parecem, no lusco-fusco,  ressuscitar ao ver o passeio dos que deixaram suas casas.

Procure - se possível - não transpor a um homem inocente a justa condenação, se a culpa foi alheia e se vivemos, um a um, com nossas únicas e incomunicáveis virtudes e defeitos. Não deixe - se possível - que uma vingança, por doce que seja, brote de seu inconsciente para sofrear o homem com o qual concordou em rumar para o castelo de Vênus, tão sonhado por todos e todas.

Se já chegastes a esse ponto, saiba que uma parada repentina de um automóvel em alta velocidade, um estaqueamento brusco com sua melodia demoníaca e sofrimentos da cabeça aos pés, é também inesquecível, e se esse homem, também inconscientemente, um dia trespassar a outra mulher, um círculo vicioso e odioso será a parte barrenta e lodosa que nos foi dada para criar e evoluir impulsionados por anjos.

Ou ele, por vias tortas, atingirá a ilusão maldosa do coito.

Concluirá que essa perversão espiritual não deve fazer parte de nossas vidas. E até a morte será uma espécie rara e solitária, esquecido no cume desprezado de um monturo na floresta.

O fato está na terrível afirmação de Lucrécio: "Como o sedento que em sonhos quer beber e esgota formas de água que não o saciam e parece inflamado pela sede no meio de um rio: assim Vênus engana os amantes com simulacros, e a visão de um corpo não acalma o desejo deles, e nada podem desprender ou guardar, embora as mãos indecisas e mútuas percorram o corpo inteiro. No fim, quando nos corpos há presságio de alegria e Vênus está a ponto de semear os campos da mulher, os amantes se apertam com ansiedade, dente amoroso contra dente: completamente em vão, já que não conseguem perder-se um no outro nem ser um mesmo ser".

O ulterior tráfego espiritual entre esses amantes, mediante palavras compreensivas e generosas, independentemente de completar a viagem, poderá ser o núcleo vivaz daquela resiliência.

Amadeu Garrido de Paula, é Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados (bruna@deleon.com.br)

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