Agora, o caminho para a crise institucional
O dia 22 de abril – descobrimento do Brasil – foi feriado por muitos anos até que, considerando sua proximidade com Tiradentes (dia 21), optou-se pela homenagem ao inconfidente. Neste ano, vislumbra-se adicionalmente a crise institucional. O Supremo Tribunal Federal condenou e cassou o mandato do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) – que xingou ministros daquela corte e por essa razão já esteve preso e ainda é constrangido a usar tornozeleira e não tem liberdade para se movimentar como cidadão e congressista. Parlamentares se movimentam para que o presidente Arthur Lira coloque o assunto na pauta da Câmara, para o plenário decidir sobre o mandato de Silveira. Até porque, a única instância judicial a recorrer seria o próprio STF, que já se posicionou por defenestrar o deputado.
Na opinião de parlamentares, o STF extrapolou ao decretar a cassação do mandato, cabendo à Câmara decidir a respeito. Só pode cassar mandato recebido do povo via eleições quem também detém mandato popular, no caso os deputados. Aconteça o que acontecer, a crise institucional estará criada. Se a Câmara tiver posicionamento diferente do emitido pelo STF, a decisão da corte será descumprida e ficará explicitamente rompido o princípio contido no artigo 2º da Constituição, que determina os poderes da União, (Legislativo, Executivo e Judiciário) como “independentes e harmônicos entre si”. E, nesse quadro nada harmônico, como se compor tarão a Câmara e o próprio STF para se manterem íntegros?
Os arroubos de Silveira são indevidos. Não lhe cabe, como parlamentar, o direito de ofender membros de outro poder. Deveria a Câmara, por suas prerrogativas, ter tomado de imediato as medidas que o caso exigia. Mas os parlamentares, pateticamente, optaram por autorizar a prisão do deputado, abrindo uma cratera ao pé de todos os congressistas que, a partir de então, pelo menos teoricamente, podem ser presos acusados por “crim e de opinião”. Comportamento muito diferente da tradição do parlamento brasileiro, que dificilmente permitia que seus membros sequer fossem processados e, muito menos, encarcerados. Exemplo marcante, entre outros, é o do deputado Márcio Moreira Alves, que em 1968 fez um discurso contra os militares e a Câmara negou licença para ser processado. O governo militar fechou o Congresso e editou o AI-5, duro instrumento de censura e controle que vigorou por 10 anos.
A demagogia tem aprovado leis que reduzem a proteção e a representatividade dos eleitos. No lugar da impunidade de que se reclamava, temos hoje a fragilidade, que também é perniciosa. Embora indevidas as declarações de Silveira, parecem-nos exageradas as reprimendas do STF que, o próprio noticiário diz, tem avançado sobre prerrogativas tanto do Legislativo quanto do Executivo.
O quadro de hoje é resultado da falta de cumprimento rigoroso dos ditames da Constituição, do ordenamento jurídico dela decorrente ou agregado e dos regimentos institucionais. Um dos exemplos é que, por razões que não cabe aqui discutir, o STF age exacerbado, enquanto a o Legislativo é titubeante e o Executivo reage mas releva as invasões. Os freios e contrapesos do regime estão desregulados. E um dos pecados que há muito se comete é o engavetamento dos pedidos de “impeachment”. O presidente da Câmara senta-se sobre as petições pelo afastamento do presidente da República (e pode até auferir lucro político com isso) e o do Senad o tranca em sua gaveta os pedidos de impedimento de ministros do STF. Tanto um quanto o outro dirigente legislativo não deveria ter força para decidir sozinho ou pessoalmente essas questões. O ideal seria que submetessem todas as petições ao plenário de suas casas e o conjunto de deputados e senadores decidisse pelo arquivamento ou sequência dos pedidos de afastamento e, uma vez instalados os processos, os acusados tivessem a chance de se defender e o assunto ser liquidado com a sua absolvição ou a consumação do afastamento.
Temos no Brasil um volumoso ordenamento jurídico e instituições altamente aparelhadas para cumpri-lo. Mas, por razões diversas, as decisões são proteladas ou engavetadas e as instituições restam débeis e questionáveis. Isso precisa acabar, pelo bem da Nação.
Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves - dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) - aspomilpm@terra.com.br
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