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No século passado, empresas verticalizadas que detinham todo o seu ciclo de produção, como a Ford do início dos anos 1900, foram substituídas por complexas cadeias de suprimentos globais. Grandes corporações buscaram recursos humanos, naturais e industriais que fossem mais acessíveis e, por vezes, sujeitos a uma menor regulamentação, não importando onde estivessem. A China talvez seja o melhor exemplo, tornando-se a grande fábrica do mundo a partir desse movimento.

Por um razoável período da história recente, pareceu trivial, quase garantida, a capacidade de obter produtos de qualquer parte do mundo, seja para uso pessoal ou como insumo para empresas, com bons preços e uma entrega relativamente rápida. Entretanto, a presente década tem forçado gestores e acadêmicos a repensarem o futuro das cadeias de suprimento.

Já nos anos 2018 e 2019, tivemos um prelúdio por meio de uma explícita guerra econômica entre EUA e China, uma disputa entre a potência dominante e a emergente, com a imposição mútua de barreiras e tarifas comerciais. Talvez esse conflito tenha sido o primeiro grande passo na contramão da globalização, gerando uma discussão sobre a possibilidade e os impactos de um eventual processo de desglobalização.

Pouco depois de, após muita negociação, os dois países acordarem uma espécie de cessar-fogo, ambos se comprometendo a não impor novas tarifas, iniciou-se a pandemia de covid-19 que parou países inteiros, fechou fronteiras, interrompeu a produção global e praticamente cessou o comércio internacional.

O impacto mundial foi imediato, com diversos produtos simplesmente desaparecendo dos mercados, pois dependiam de produção no exterior, importação, transporte etc. Os exemplos são inúmeros. Como não lembrar das mortes por falta de respiradores e oxigênio em UTIs lotadas? Para os países que não os compraram com antecedência e não tinham produção nacional, simplesmente não havia mais onde obtê-los, ainda que dispostos a pagar valores exorbitantes. Sem contar itens básicos, como luvas cirúrgicas, máscaras e álcool em gel.

Quando foram dados os primeiros sinais de que a covid-19 poderia estar caminhando, finalmente, para uma situação mais controlada e menos letal, com a liberação de quase todas as restrições, surge a invasão de um país Europeu, o que não ocorria desde a 2ª Guerra Mundial. Além do desastre humanitário e econômico em curso na Ucrânia, as sanções contra a Rússia também causaram efeitos colaterais na maior parte do mundo, quebrando ainda mais o fluxo das cadeias de suprimento, acelerando a inflação que já estava alta e colocando em risco a recuperação ainda lentamente em curso.

Já o bloqueio dos recursos russos em dólar tem causado temor em diversos países, uma vez que essa é justamente a moeda que a maioria das nações faz suas reservas e que utiliza em operações de comércio exterior. O movimento acendeu o alerta de que aquilo que era visto como uma fonte de segurança, pode também ser uma fragilidade. Semelhantemente, a remoção da Rússia do sistema Swift, pelo qual são feitos quase todas as transações e pagamentos internacionais, mostrou-se igualmente uma ameaça potencial pela qual qualquer país pode, do dia para a noite, ser isolado do comércio internacional.

A tudo isso soma-se, por fim, a eterna sombra da retomada chinesa do controle sobre Taiwan, ilha responsável pela maior parte da produção de chips e semicondutores do planeta, e toda a incerteza e imprevisibilidade de como será a transição de um mundo dominado por uma única superpotência para uma nova bipolarização ou, talvez, o nascimento de outra superpotência hegemônica, como aliás é explicitamente o plano do governo da China.

Portanto, talvez seja tempo de repensar a globalização e de se preparar estratégias para lidar com a desglobalização. Será que nesse horizonte que está a se descobrir haverá futuro promissor para nações que dependem de importação de itens básicos, que possuem baixo nível de industrialização ou que sustentam sua balança comercial quase que exclusivamente pela exportação de commodities? Será possível restabelecer e sustentar os harmoniosos relógios síncronos de um fluxo de bens e serviços tão geograficamente disperso, como um dia foi? Como as nações continuarão a proteger as suas respectivas economias, suas relações internacionais e seus legítimos interesses? A abertura econômica continuará sendo o grande motor das economias, especialmente aquelas em desenvolvimento? Ainda há muitas perguntas a serem respondidas e o futuro é incerto.

Jeanfrank T. D. Sartori é doutorando, mestre em gestão da informação pela UFPR, especialista em Business Intelligence pela UP e graduado em administração pela UFPR.

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