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Parece inimaginável, mas não é: o Banco Central argentino elevou a taxa básica de juros para 69,5% ao ano! Foi um salto de 9,55% nos juros em um único mês. Motivo: a inflação bateu 7,4% em julho. É a maior da América Latina, superando a da Venezuela, 5,3% no mês passado. E, neste fim de semana, sucederam-se muitas reuniões na Casa Rosada. Na tarde do domingo, os boatos eram cada vez mais fortes em Buenos Aires de que um truque antigo seria retomado, o congelamento geral de preços. Como a realidade está dura demais, pensaram – mais uma vez – em tentar a mágica completa. Por enquanto, existem só os “preços cuidados”, um meio caminho até o congelamento mais completo. 

E, também como sempre na Argentina, as expectativas inflacionárias dominam todas as conversas na economia. Em julho, o país registrou a maior taxa mensal de subida de preço, em relação ao mês anterior, dos últimos 20 anos. Esse dado só confirmou as “expectativas” do dia 2 de julho, quando o ex-ministro da Economia, Martin Guzmán, pediu demissão por não aguentar mais as críticas do grupo da ex-presidente Cristina Kirchner contra sua política econômica. Principal motivo das críticas: Guzmán estava, efetivamente, tentando colocar em prática o acordo que assinou em janeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI) comprometendo-se a reduzir o déficit fiscal a 2,5% do PIB neste ano, cortando os muitos subsídios dados pelo governo de Alberto Fernandéz, o primeiro deles de energia.

Os argentinos entenderam rápido o que a saída do ministro significava. No fim de semana em que Guzmán se demitiu o comércio praticamente não abriu na Grande Buenos Aires. Motivo: os comerciantes não sabiam a que preço vender suas mercadorias. Todos pressentiam que a inflação ia acelerar. E muito. Portanto, não sabiam que preço cobrar para repor o estoque. A insegurança econômica era, concretamente, geral. 

A razão da exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI) pela diminuição dos subsídios era simples: eles eram pagos com emissão de dinheiro porque a arrecadação não cobria tantos gastos. Emissão quer dizer inflação. Porém Cristina Kirchner, que acumula dois cargos, de vice-presidente e de “chefe da oposição” ao presidente Fernandéz, não quer ouvir falar de cortes, porque cada um desses subsídios quer dizer milhões de votos. A conta, portanto, não fecha, nem a econômica, nem a política.

A sucessora de Guzmán, a economista Silvina Batakis, aliada de Cristina, durou exatos 24 dias no cargo. Na tarde de sexta-feira, 12, a Argentina descobriu o motivo do BC ter aumentado a taxa básica de juro em 9,5% em um único mês: a inflação anualizada em agosto bateu em 71%! Economistas das mais diversas correntes já não acreditam mais que neste ano a inflação fique em 90%. A velocidade da inflação será bem maior, em especial, pelo perfil do sucessor de Silvina na pasta da Economia. O advogado Sérgio Massa é o presidente da Câmara dos Deputados e foi o fiador do “acordo” entre os dois lados do peronismo, o mais moderado de Fernandéz e o de Cristina, mais populista. 

A crise argentina é longa. O governo anterior, de Maurício Macri, fechou empréstimo de US$ 44 bilhões com o FMI em 2019. As promessas para o fundo foram as mesmas de Guzmán, cortar subsídios e parar de emitir. Não conseguiu pela reação da oposição peronista comandada por Cristina.  A inflação na Argentina não parou de subir, corroendo salário e poder de compra da população. A pandemia só agravou o quadro. O resultado mais grave foi registrado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (Indec), o IBGE deles: há cinco anos, 17,9% dos argentinos viviam abaixo da linha de pobreza. Já na primeira semana de agosto de 2022, este índice bateu em 39,5%. Isto significa que 4 em cada 10 argentinos vivem em insegurança alimentar. 

O outro lado da crise está nas prateleiras dos supermercados. Os espaços em que deveriam estar os produtos com “preços cuidados” geralmente os de maior consumo, estão literalmente vazios. É a mesma reação do fim de semana da queda do ex-ministro Guzmán. Preço cuidado quer dizer que algumas marcas e alguns produtos têm os preços “congelados” por determinado período. Estes produtos somem. Os demais aceleram a subida dos preços. Não é difícil prever o resultado de um congelamento geral de preços já prenunciado nos corredores da Casa Rosada neste fim de semana. 

Para o Brasil sobra também a dura realidade de continuar vendendo para uma Argentina que tem cada vez menos dólares para manter seu comércio exterior. As reservas cambiais da Argentina, oficialmente, são de US$ 44 bilhões. Mas, reservas líquidas que realmente podem ser usadas, não ultrapassam US$ 2,5 bilhões.

É neste contexto que importação na Argentina é uma “decisão de Estado”, ou seja, depende de ter “caixa”. Desse modo, de café a óleo diesel, passando por remédios, depende. Neste processo as carências se multiplicam. E, óbvio, o comércio do Mercosul fica contido. As expectativas em termos das trocas comerciais com o Brasil não são as mais favoráveis. No primeiro semestre, o Brasil exportou para a Argentina US$ 7,5 bilhões. No mesmo período de 2021 foram US$ 5,6 bilhões, crescimento de 33,3%. Ninguém espera nada parecido para este segundo semestre, frente ao tamanho da crise no nosso 3º maior parceiro comercial, depois de China e EUA. 

O resumo da ópera sobre o drama econômico argentino não é conveniente. A maior parte dos analistas espera inflação de três dígitos neste ano para a Argentina. Este fato terá forte impacto nas eleições do próximo ano em nosso país vizinho.

Leonardo Trevisan é professor de economia e relações internacionais na ESPM. Mestre em História Econômica, doutor em Ciência Política e pós-doutor em Economia do Trabalho. (William Lara - william.lara@novapr.com.br)

* Os textos (artigos) aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do GRUcom -  Grupo União de Comunicação (Jornal União/Portal www.jornaluniao.com.br/Rádio e TV Jornal UniãoWeb).

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