Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

Se algo em nós dói é porque estamos doentes. No mínimo, estamos feridos e precisamos fazer algo a respeito. E isso vale tanto para o corpo quanto para a alma.

Quanto à integridade do corpo, a maioria das pessoas procura destinar uma grande dose de atenção e, por isso, dedicam a ele os devidos cuidados para curá-lo quando necessário for. Porém, quando o assunto são as dores e pestilências da alma, aí meu amigo, são outros quinhentos.

Detalhe importante: se levarmos em conta a hipersensibilidade que assola muitíssimas pessoas, se formos considerar a forma como incontáveis indivíduos se ofendem por qualquer vírgula fora do lugar, somos obrigados a admitir que nossa sociedade está enferma até o tutano; e que nós, infelizmente, possivelmente também estamos.

Sim, é claro que cada um de nós é capaz de reconhecer esse destempero, elevado a enésima potência, em todos, menos, é claro, em nós mesmos, porque aquilo que facilmente identificamos no outro, como sendo uma enfermidade da alma, em nós o vemos como sendo uma virtude [depre]cívica digna de louvor.

Por exemplo: quando uma pessoa está indignada, e manifesta seu descontentamento publicamente, se estamos juntos, em espírito e doideira ideológica com a abençoada, em seu estado de revolta, essa indignação é tida por nós como sendo uma manifestação de uma apurada e refinada consciência “criticamente crítica” que não se conforma com as injustiças do mundo. Agora, se a infeliz está pau da vida com algo que, em nós, não faz nem mesmo uma coceguinha crítica, obviamente que veremos na indignação manifesta apenas um mimimi tremendamente reprovável, pra dizer o mínimo.

Quem nunca, que atire a primeira pedra.

Sim, eu sei, todos nós nos achamos a última bolacha do pacote e, enquanto tal, seríamos incapazes de agir dessa forma. Ao menos é essa a mentira que contamos para nós mesmos. Mas, a verdade é uma só: falamos três por quatro em empatia, falamos incessantemente sobre a importância de nos colocarmos no lugar do outro, de sermos tolerantes, porém, como todas as palavras e sentenças repetidas à exaustão, essas também acabaram por ficar gastas e perderam totalmente o seu significado, passando, inclusive, a significar o seu contrário em muitas ocasiões.

E o mais curioso é que quanto mais o caboclo fala de tolerância, mais ele manifesta sua incapacidade de tolerar qualquer um que não reze na sua cartilha politicamente correta. Quanto mais o cidadão fala em empatia e alteridade, mas ele se fecha em copas para não ter que ver o mundo pelos olhos daqueles que foram petulantes ao ponto de verem a vida e o mundo de uma forma diferente da sua.

Não é à toa que justamente essas pessoas sejam aquelas que mais facilmente se entreguem aos chiliques histéricos fantasiados de cidadania. Não é por acaso que essas pobres almas acabam levando a si mesmas tão a sério. É. E isso é muito sério e tem consequências mais sérias ainda.

Quando consideramos qualquer banalidade como sendo algo ofensivo ao ponto de desejarmos o banimento de uma pessoa da vida em sociedade, condenando-a a um ostracismo hi-tec, é porque precisamos urgentemente de ajuda; porém, “sacumé”, para sermos ajudados é imprescindível que admitamos que estamos enfermos e que precisamos ser ajudados e isso, nossa soberba não permite de jeito maneira.

Cada um sabe muito bem quais são as ideias e ideologias que fazem morada em sua cuca, mas em que medida conhecemos elas? Somos nós que as possuímos e as utilizamos para nos guiar por entre os caminhos e descaminhos desse vale de lágrimas, ou são elas que nos possuem e nos instrumentalizam para realização de projetos de pessoas maliciosas que se utilizam delas?

Ora, qualquer um que fomente a hipersensibilidade que faz com que as pessoas fiquem o tempo todo à beira de um abismo da histeria coletiva, não quer a resolução de problema algum, nem que edificar algo que preste. Qualquer um que faça isso, quer apenas controle. Controle sobre a vida de todos. E nada mais facilita isso que levar os indivíduos a se sentirem inseguros em seu íntimo e instáveis em seu entorno.

Se sofremos desta enfermidade - que leva as pessoas a acharem que um cumprimento, se dito de forma atravessada, seria uma forma de micro agressão fascista, que supostamente fere a existência delas e, por isso, elas tornar-se-iam resistência - é porque precisamos doutros pontos de comparação para avaliarmos nossa situação existencial.

Por exemplo: a vida do guitarrista Jason Becker. Esse senhor, em 1996, aos 20 anos foi diagnosticado com a doença de Lou Gehrig, doença essa que incapacita a pessoa de mover os músculos de seu corpo. Isso mesmo meu velho: ele não podia mais se mexer, nem falar. Mesmo assim, ele encarou essa terrível doença e continuou compondo com o auxílio de um programa de computador. Aliás, ele continua pelejando até os dias de hoje contra essa enfermidade e, durante todos esses anos, ele não parou de compor (obs.: não deixe de ver o documentário sobre ele que está disponível no youtube. É de chorar).

Outro ponto de comparação interessante é a vida da Beata Alexandrina Maria da Costa que, por um terrível acidente provocado por três malfeitores, foi obrigada a ficar de cama por causa de uma paralisia. Paralisia essa que foi agravando-se durante os trinta anos que lhe restaram de vida. Ela não se desesperou. Muito pelo contrário. Ele abandonou-se nas mãos de Cristo com essas palavras: “Jesus, Tu és prisioneiro no tabernáculo como eu sou na minha cama, assim fazemos companhia um ao outro”.

E nós, diante das coisas mais estapafúrdias, presos no imediatismo digital, nos inflamamos a tal ponto que, se nos encontrarmos com nossos parças, mesmo que virtualmente, viramos um magazord e saímos disparando pedradas retóricos contra tudo que aparecer diante de nossas ventas.

Pois é. Jason Becker e a Beata Alexandrina Maria da Costa, cada um ao seu modo, resistiram às dolorosas circunstâncias que a vida impôs a eles, absorvendo-as e transformando os espinhos que os torturavam, na carne e na alma, em flores.

Já nós, de nossa parte, devido a nossa hipersensibilidade, ideologicamente estimulada e manipulada, conseguimos a façanha de transformar leite e mel num amargo fel.

Enfim, admitamos, estamos enfermos e, ao que me parece, a cura está em aprendermos algo com a vida de pessoas como o senhor Jason Becker e como a santinha de Balasar, e não em ficarmos gritando manhosamente palavras de ordem contra inimigos imaginários.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela - dartagnanzanela@gmail.com

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.