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O artigo "A terceira lei de Newton", da autoria de Ricardo Lewandowski , é um documento importante para a história deste período de nossa vida política. Nele, o ministro afirma, com todas as letras, que "excessos praticados no passado recente por alguns juízes (leia-se Sérgio Moro), policiais e membros do Ministério Público (leia-se força tarefa da Lava Jato), restringindo direitos e garantias dos acusados em inquéritos ou ações penais, deram causa a uma reação equivalente em sentido contrário por parte dos órgãos de controle" (leia-se Congresso Nacional e STF).

No pleito de 2018, o eleitorado brasileiro consagrou e destacou em votos o trabalho do juiz Sérgio Moro. Com determinação, ele trouxe à rotina do processo penal a regra de que a lei existe para todos e não deve distinguir classe social, nem excepcionar os investigados ou réus segundo seu poder político, econômico ou financeiro. Os membros da operação Lava Jato sovaram o próprio couro na tarefa de enfrentar o maior caso de corrupção da história universal. Adquiriram a consciência e a ciência da investigação e do enfrentamento. Descobriram as sinuosas trilhas seguidas pelo dinheiro e os muitos modos como são apagadas as digitais indicativas das múltiplas autorias. Esmiuçaram toda a atividade de um mecanismo tão refinado quanto sórdido, nascido e cevado no Foro de São Paulo, e que, graças a ele, se expandiu em vários países ibero-americanos e africanos. Os membros da operação trabalharam à margem das luzes da corte e de suas intimidades. Não confraternizaram com bandidos e seus advogados. Desdenharam helicópteros e jatinhos, nutriram-se numa dieta sem faisões, lagostas e vinhos premiados. Por tudo isso se tornaram conhecidos e admirados pelo povo.

Nessas prolongadas jornadas, pestanas queimadas no trabalho, conheceram os inimigos institucionais e instrumentais a vencer. Daí, com apoio de 1,7 milhão de cidadãos, surgiram as dez medidas de combate à corrupção, que bem poderiam ter sido agregadas ao nosso ordenamento jurídico. Daí Sérgio Moro no Ministério da Justiça. Daí o pacote anticrime do governo federal. Daí, infelizmente, também, as escandalosas metamorfoses sofridas por essas propostas quando examinadas pelo Congresso Nacional. O que era proposto para dar força ao combate à criminalidade passou a dar força aos criminosos.

Foram essas metamorfoses que levaram o ministro Ricardo Lewandowsky a invocar a terceira lei de Newton. No aludido artigo, ele sublinha, como decorrência da lei de ação e reação, a atitude do STF que "proibiu conduções coercitivas, revogou prisões preventivas sem fundamentação idônea, censurou vazamentos de dados sigilosos, anulou provas ilícitas, rejeitou denúncias baseadas exclusivamente em delações premiadas, corrigiu violações ao devido processo legal, assegurou o exercício da ampla defesa e reafirmou o princípio constitucional da presunção de inocência".

Parabéns ao ministro. Belo labor, no qual faltou incluir - terá sido como ação ou como reação? - seu regalo a Dilma Rousseff no encerramento do processo de impeachment, criando a inusitada figura da presidente cassada, mas com direitos políticos preservados! Por outro lado, caro leitor, não adianta procurar. Não há no artigo do ministro o mais tênue sinal de contrariedade com a monstruosa estrutura organizada para saquear o país. Nenhuma consideração por aqueles que a desmontaram com a lei na mão. O ministro odeia a Lava Jato. Exalta como expressão de douta unidade colegiada o que, talvez na maior parte dos casos, não passou de decisão monocrática de ministros contrariados com o trabalho feito em Curitiba.

O artigo comemora a fábrica de preceitos destinados a proteger bandidos que operou durante o ano passado no Congresso Nacional. O ministro subscreveu a produção legislativa protetora de criminosos gerada por muitos legisladores que, resguardados pelo privilégio de foro, também o são. Em sua leitura, a 3ª lei de Newton a tudo explica e justifica.

Por aí avança o artigo, navegando em densa maionese, para afirmar que os excessos da Lava Jato, "em um primeiro momento percebidos apenas por advogados e um punhado de observadores mais atentos, passaram a ser divulgados pela mídia tradicional, causando um mal-estar generalizado na sociedade". Como se compatibiliza essa afirmação sobre "mal-estar generalizado" com aquilo que os olhos dos brasileiros veem? Com o fato de Sérgio Moro ser aplaudido aonde vai (e vai com total liberdade e desenvoltura), enquanto ministros do STF se ocultam e são vaiados onde aparecem? Com o fato de Moro ser internacionalmente festejado e apontado como uma das 50 personalidades mundiais da década?

A vaidade é uma forma de cegueira. Para o vaidoso, todo espelho é mágico, faz coraçõezinhos e lhe atira beijos. A decorrente perda de visão afeta o juízo e subestima o discernimento alheio, incorrendo no erro de desconsiderar todos aqueles cujo pensamento não seja submisso ao vaidoso. Como pode o ministro escrever sobre "abuso de autoridade" dos que combatem o crime e esquecer o que o STF fez com o blog O Antagonista e a revista Crusoé? Como esquecer a tentativa de impedir a investigação pelo COAF de alguns CPFs de alta linhagem, cuja variação patrimonial excedeu o ganho auferido?

A leitura que fiz do artigo do ministro determinou que, ao término, uma ideia emergisse como rescaldo de sentimentos que me suscitou. As ações que ele descreve como produto da terceira Lei de Newton - lei da ação e reação - tem muito a ver com alguns sentimentos pouco nobres percebidos nos plenários dos poderes cujo trabalho exalta: vingança, inveja, revanchismo. A capacidade de emparedar a razão, inerente a tais emoções, talvez explique o otimismo do ministro quando afirma que "a parcela de agentes públicos - por sorte bastante diminuta - habituada a ultrapassar impunemente os limites da ordem jurídica (...), com a inexorabilidade própria dos fatos da natureza, acabará encontrando a sanção adequada para todo e qualquer comportamento desviante".

Dezenas de inquéritos e ações penais contra congressistas dormitam nas gavetas do STF. Dezenas de denúncias contra ministros do  STF dormitam na gaveta da presidência do Senado. Espero que em 2020 saiam das trevas de uma retórica enganosa e recebam os impulsos necessários para vencer a 1ª Lei de Newton, a Lei da Inércia.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.  puggina@puggina.org

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