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Votei pela primeira vez aos dezoito anos, em 1982, mas já militava politicamente desde os quinze. Como a maior parte dos jovens da minha geração, o tema principal da militância era a volta da democracia. O Brasil amargava o fim de um regime militar que tirou a liberdade das pessoas, matou centenas delas por defenderem essa liberdade roubada e ainda entregou o país em frangalhos, com uma crise econômica que levou mais de uma década sugando nosso futuro e as chances de prosperidade do país. E os jovens como eu queriam um país melhor, livre e próspero. Mesmo sem entender direito como fazer isso, nossa percepção é que melhorias ocorreriam na esteira de mudanças – e mudanças implicavam liberdade, transparência e responsabilidade com os sonhos das pessoas.

Hoje, os jovens, de maneira geral, querem distância da política. Muitos declaram o desejo do fim da política, como se então os problemas do país passassem a ser resolvidos por mágica, ou geração espontânea. Mas são jovens – como eu fui – que não entendem direito como fazer as coisas. As perspectivas nesse fim de segunda década do século XXI são bem diferentes de 40 anos atrás. Eu queria emprego e hoje deseja-se empreender; eu queria salário e hoje a ambição é se tornar um unicórnio; eu queria um futuro e hoje o importante é um presente estendido; eu queria reconhecimento e hoje o negócio é ter fama, ser conhecido; eu queria estabilidade e hoje se quer aventura; eu queria casar e ter filhos e os jovens de hoje, nem pensar.

O filósofo francês Michel Maffesoli descreve os dias de hoje como “uma época de hedonismo latente, que dá ênfase ao aspecto qualitativo da existência, à relação com o meio ambiente e a ecologia. Época que faz com que a criação seja mais importante que o trabalho ou que, ainda, destaque a importância do corpo (na moda, no esporte, na cosmética) como elemento do ‘corpo social’. Época, enfim, que considera que o desenvolvimento do festivo e do lúdico não é mais apenas um lado frívolo da existência, mas seu elemento social”.

Atrair o jovens para a política é o desafio da minha geração. Entendo Política como o exercício que fazemos em um espaço público no qual todos podem falar e onde a vontade da maioria define provisoriamente as ações a serem concretizadas, mas a fala não se encerra nunca, em um movimento incompleto e dinâmico de argumentos e formações de consenso e decisões coletivas. O problema é que para atrair os jovens, não parece fazer mais sentido usar os argumentos da minha época, nem o argumento dos anos sessenta ou ainda os argumentos do século XIX. Antes, precisamos compreender o sonho dessa geração, a percepção imaginária que eles possuem do futuro e afinarmos nosso discurso (e nossas práticas) para criarmos harmonias intergeracionais

O silêncio ou a repulsa dos jovens não é um traço definitivo do caráter deles, muito menos as posturas nostálgicas e conservadoras que, aliás, reflete muito mais a nossa incapacidade de motivá-los para uma nova utopia do que uma atitude refletida da parte deles. Como lembra Maffesoli: “Não é a primeira vez que se abre um fosso entre as elites e o povo, mas são inúmeros os que podem e querem dedicar-se a preenchê-lo. É preciso saber mobilizá-los. Para isso, é preciso criar um laboratório de ideias não mais focado sobre a economia e a dimensão política, mas naquilo que constitui o lençol freático de toda vida social: o imaginário, cimento autêntico do estar junto”.

Lembro-me de ter escrito, na vitória de Tancredo, referindo-me às manifestações populares, que as pessoas não estavam comemorando a vitória em uma eleição indireta de um político septuagenário. Estavam comemorando a possibilidade de ter um país mais moderno, mais honesto, mais livre, mais afetivo, mais promissor. Sempre comemoramos a chance de vivermos melhor. A política precisa recuperar essa capacidade de se vincular a esses sonhos. Ou então as ditaduras o farão.

Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.

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