Digite pelo menos 3 caracteres para uma busca eficiente.

No dia 17 de junho passado, a imprensa brasileira noticiou que o conglomerado empresarial Odebrecht S.A. (ODB) acabava de ingressar com pedido de recuperação judicial na 1.a Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, cujo processo trata de dívidas passíveis de reestruturação no valor de R$ 51 bilhões, além de mais R$ 14,5 bilhões de dívidas garantidas e outras dívidas de naturezas diversas. O total geral do passivo listado no processo protocolado na Justiça, e que a Odebrecht inclui em sua estratégia de recuperação, chega a R$ 83,6 bilhões, o maior valor de empresa em recuperação judicial da história no país.

O grupo empresarial ODB emitiu comunicado no qual informa que chegou a ter mais de 180 mil empregados cinco anos atrás e atualmente tem apenas 48 mil, e citou ainda que esse encolhimento enorme foi "consequência da crise econômica que frustrou muitos dos planos de investimentos feitos pela ODB, do impacto reputacional pelos erros cometidos e da dificuldade pela qual empresas que colaboram com a Justiça passam para voltar a receber novos créditos e a ter seus serviços contratados". No início de 2015, a Odebrecht chegou a registrar 276 mil empregados entre próprios e terceirizados, o que fez dela um dos maiores grupos empresariais brasileiros.

Essa tragédia financeira e social, a julgar pelo número de trabalhadores que perderam seus empregos e pela queda de produção, levanta de novo uma questão recorrente: qual deve ser o tratamento legal dado às empresas, aos empresários e aos dirigentes e técnicos que praticam crimes em razão do cargo? É sabido que a empresa é um sistema com seus terrenos, prédios, máquinas, equipamentos, empregados, matérias-primas, recursos financeiros e tecnologias, sistema esse destinado a produzir bens e serviços. Nesse sentido, a empresa é um ente material, moralmente neutro e sem vontade própria. Quem elabora estratégias, toma decisões e define as regras de funcionamento da empresa são as pessoas que a possuem, as que a dirigem e as que nela trabalham. A empresa é organizada segundo as leis da pessoa jurídica, registrada no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), e executa atos econômicos e negócios jurídicos diversos sob o mando e gerência de pessoas; logo, a ética só pode ser cobrada das pessoas físicas responsáveis pelos atos empresariais.

Já passou da hora de a legislação fazer distinção clara entre as pessoas físicas dos proprietários e dirigentes, de um lado, e a pessoa jurídica da empresa, de outro. Se a empresa em si não toma decisões, mas apenas executa as decisões tomadas por seus sócios e dirigentes, por consequência a empresa não é ética nem antiética. As pessoas dos donos e dos dirigentes – bem como todos os que na empresa trabalham – é que podem ser éticos ou não, pois ética é uma virtude essencialmente e exclusivamente humana. Bastam esses aspectos para indicar que, por lógica jurídica e econômica, as punições para crimes cometidos no âmbito empresarial sejam distintas para a empresa e para os responsáveis pelos atos ilícitos. Ao produzir bens e serviços, empregar pessoas, pagar impostos e satisfazer necessidades de consumidores, a empresa tem relevante função social e, assim como ocorre em países adiantados, ela deve submeter-se a um conjunto de normas e obrigações consubstanciadas nas leis comerciais, tributárias, trabalhistas, ambientais etc., cabendo aos responsáveis pelos atos de decisão e operação a obrigação de agir na legalidade e com ética.

Irregularidades e crimes ocorridos em uma empresa devem levar à punição dos autores, inclusive com afastamento dos donos e dirigentes, mas a pessoa jurídica deve ser preservada e passar a ser dirigida por outras pessoas, se necessário sob o comando de interventor judicial. O melhor inibidor contra a prática de crimes empresariais, especialmente a corrupção, é a perda do cargo, confisco de patrimônio e prisão dos donos e dirigentes que tenham cometido crimes. Em um país capitalista, em que a propriedade dos meios de produção pertence às pessoas, tanto na forma de donos plenipotenciários como acionistas sem poder de gerência, a empresa é uma entidade econômica e social a ser estimulada, preservada e expandida. No caso de crimes e fraudes, como o diabólico mecanismo de corrupção entre a Odebrecht, seus dirigentes, o governo do PT e demais políticos vinculados ao esquema, a empresa deveria ser libertada dos criminosos e ter sua existência e atividades preservadas, como de resto deveria valer para todas as pessoas jurídicas.

Virou moda denunciar a Lava Jato como responsável por acabar com empresas e fazer mal à economia brasileira. Mas é preciso lembrar que a Lava Jato é uma operação policial e judicial para investigar, processar, julgar e punir corruptos segundo as leis do país. Se o Poder Legislativo já tivesse produzido leis inteligentes e adequadas para retirar da empresa as pessoas dos donos e dirigentes corruptos e puni-los exemplarmente, preservando a existência da empresa e seu direito de operar inclusive em obras públicas, a queda da Odebrecht, e muitas outras, não teria ocorrido. Portanto, não foi a Lava Jato que danificou as empresas cujos dirigentes se envolveram em corrupção, mas os danos às empresas é culpa da legislação insuficiente, precária e malfeita. O Congresso Nacional tem a obrigação de rever e modernizar a legislação e as normas de propriedade e gestão empresarial, e esse sim é o núcleo do problema, não a Lava Jato e as demais operações de combate à corrupção. O preço de punir os corruptos não deveria ser o fim da empresa.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

#JornalUnião

Utilizamos cookies e coletamos dados de navegação para fornecer uma melhor experiência para nossos usuários. Para saber mais os dados que coletamos, consulte nossa política de privacidade. Ao continuar navegando no site, você concorda integralmente com os termos desta política.