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Vamos comentar de uma certa joint venture formada pelas maiores líderes globais na produção de sementes geneticamente modificadas, fertilizantes e agrotóxicos que, na realidade, fiscalizará em gestão unificada os pagamentos de royalties pelos produtores rurais pela compra das sementes com tecnologia protegida por patentes. A joint venture refere-se à constituição, por BASF S.A. (“Basf”), Monsanto do Brasil Ltda. (“Bayer”) , Du Pont do Brasil S.A. e Dow Agrosciences Industrial Ltda. (conjuntamente, “Corteva”), e Syngenta Seeds Ltda. (“Syngenta” e, em conjunto com BASF, Bayer e Corteva), de uma nova sociedade (“Newco”) a Cultive Biotech, com o intuito de desenvolver um sistema de reconhecimento de propriedade intelectual para o monitoramento e retenção de royalties não recolhidos sobre os grãos de soja, entregues e comercializados por agricultores nos pontos de entrega, que contenham eventos transgênicos protegidos por direitos de propriedade intelectual no Brasil pertencentes a essas empresas de biotecnologia.

Na prática, a joint venture será a responsável pela cobrança de royalties pelo uso de sementes com patentes dessas marcas, como a Intacta RR2 PRO®, Intacta 2 Xtend®, Xtend Refúgio®, Conkesta E3® e Enlist E3®. Antes, cada empresa tinha seu próprio procedimento de recolhimento de royalties. São empresas globais de agroquímicos e biotecnologia com atividades em diversos segmentos dentro dos negócios agroquímico e agrícola – inclusive no desenvolvimento global de eventos transgênicos para soja GM. Atualmente, a Bayer (por meio de sua subsidiária Monsanto) é a única empresa que possui eventos transgênicos de soja protegidos por patente atualmente comercializados no mercado brasileiro. As demais empresas participantes da joint venture pretendem lançar futuramente no Brasil seus próprios eventos transgênicos de soja protegidos por patente. Segundo essas empresas, o principal objetivo da joint venture é criar um mecanismo que incentive os agricultores a realizar o pagamento dos royalties às empresas de biotecnologia de maneira correta e tempestiva – o que é essencial para garantir um sistema confiável de retenção de royalties e, como tal, dar o nível de segurança que as empresas de biotecnologia necessitam para lançar novos eventos transgênicos no mercado brasileiro, tornando-o cada vez mais competitivo com relação ao mercado mundial.

As propostas desta joint venture devem ter sido suscitadas no “Mundo de Nárnia”, pois as empresas que a constituem alegam que não afetará a concorrência nos mercados relacionados à cadeia de soja geneticamente modificada e pasmem, muito menos o CADE que aprovou a constituição sem restrições nos termos dos artigos 13, XII e artigo 57, I da lei 12.529/11 no Despacho n. 887 para o Ato de Concentração n. 08700.001901/2021-76. Alegam também que os agricultores devem pagar legalmente os royalties incidentes sobre eventos transgênicos de soja em dois momentos, ou seja:

 (I) quando da aquisição de sementes certificadas; e (II) quando decidem salvar sementes para uso próprio. O produtor que planeja fazer reserva legal das biotecnologias (ou salvar as sementes para a próxima safra), no entanto, deve notificar o sistema da indústria e fazer o recolhimento dos royalties de acordo com a área declarada e com a expectativa de produção. Caso o produtor que salvou as sementes não comunicar a empresa nem fizer o pagamento dos royalties, poderá ser cobrado no momento da comercialização de sua produção.

Assim, muito embora a lei de proteção de cultivares permita que as sementes sejam legalmente salvas para uso próprio do agricultor na safra subsequente sem que isso acarrete obrigação de pagamento de royalties ao proprietário do cultivar, tal lei não compreende os direitos de propriedade intelectual previstos na Lei de Propriedade Industrial e, por consequência, não dispensa o pagamento de royalties pelo uso de sementes que contenham eventos transgênicos protegidos por patentes. É aí que temos um enorme problema!!!…

Diante dessa situação, a Monsanto faz a retenção de royalties não recolhidos – segundo a empresa “dos agricultores ilegais”, que são aqueles que adquirem sementes ilegais e/ou salvam sementes para cultivo na safra subsequente e, posteriormente, comercializam os grãos sem o pagamento dos royalties correspondentes. Em outras palavras, os royalties serão retidos apenas do dito “agricultor ilegal”, ou seja, aquele que não pagou os royalties em tempo hábil e dentro da Lei.

Vamos esclarecer que a média do valor dos royalties praticada no mercado atual gira em torno do custo de PI de 6% sob o valor da venda do produto. O custo para o produtor rural para produzir, por exemplo, uma saca de algodão é de 30 dólares. Ao entregar a produção, o produtor deve declarar a presença ou não da tecnologia nos grãos entregues pagando neste interim o valor de 240 dólares a saca. Caso o produtor declare não haver tecnologia protegida por PI, a empresa se reserva o direito de executar, direta ou indiretamente, testes nos referidos grãos visando a confirmação da ausência desta tecnologia.

Não precisamos ser videntes para saber o que vai acontecer com o licenciado produtor, não é mesmo? A polícia fiscalizadora da empresa multinacional irá declarar que os grãos contem tecnologia de PI e forçara o agricultor a pagar uma multa de 480 dólares por hectare.

Não é possível que continuemos a aceitar este modo de mercado no que tange a cobrança de royalties que é altamente díspar. Nada justifica este modelo de cobrança sobre a produção praticado pelas multinacionais sementeiras. Nada justifica a cobrança da produção na moega, uma vez que os royalties não devem ser pagos sobre a produção, principalmente na forma de retenção.

Charlene de Ávila - Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Néri Perin Advogados Associados -  manadac2e@gmail.com ou apolos.paz@gmail.com

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