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Os campeonatos de futebol no Brasil voltaram antes do coronavírus ir embora e, por conta disso, os jogos estão acontecendo sem a presença da torcida. Desde então, algumas medidas estão sendo tomadas pelos clubes para suprir essa lacuna da falta de público nos espetáculos futebolísticos. No aspecto visual, os estádios têm recebido faixas e bandeiras das torcidas organizadas que preenchem alguns vazios da arquibancada. Alguns clubes adotaram a prática de posicionar fotos de seus torcedores em determinados setores do estádio, compondo a imagem de uma torcida inanimada, embora composta de rostos que poderiam realmente estar presentes caso o evento esportivo pudesse receber o público.

Mas a maior lacuna que a ausência de público deixa no espetáculo futebolístico é a sonora. O compositor e professor canadense, Murray Schafer, inaugurou um conceito bastante difundido na musicologia atualmente: o de paisagem sonora. A analogia com o aspecto visual faz do termo praticamente autoexplicativo, e podemos usá-lo para retratar a situação sonora atual dos eventos futebolísticos: a paisagem sonora do futebol não é mais a mesma. Os gritos e falas dos jogadores, treinadores e árbitros, o som da chuteira golpeando a bola, o som da bola percorrendo a rede, tudo isso já compunha a paisagem sonora do futebol, mas em um plano secundário. No plano principal, soava o murmúrio constante do público presente, os cantos de apoio e protesto da torcida organizada, os aplausos, as vaias, os “uhs” daqueles chutes que quase acertaram o alvo e a explosão sonora do momento máximo do futebol: o gol! E como é bom gritar “gol” no estádio!

Não demorou muito para as primeiras tentativas de preencher a lacuna sonora do espetáculo surgirem. Em geral, os clubes têm utilizado gravações de sua própria torcida de jogos passados. O problema de se utilizar apenas os sons constantes da torcida é que muitas vezes os sons não condizem com a jogada que se desenvolve em campo. Para minimizar essa situação, alguns DJs passaram a operar o som dos estádios vazios. Agora, ao mesmo tempo em que a paisagem sonora constante dos estádios soa, o DJ pode dar “play” em pequenos recortes sonoros, chamados samples, com os cantos da torcida, aplausos, vaias, e “uhs” e até mesmo aquela explosão do gol! E que saudades de gritar “gol” no estádio!

Tudo isso que visa recriar a paisagem sonora do evento esportivo, talvez funcione melhor para o telespectador que para o jogador. Não é à toa que se chama a torcida de décimo segundo jogador. Ela reage em tempo real aos movimentos do atleta - e o jogador, por sua vez, tem sua motivação afetada pelas reações dos torcedores. É um processo de retroalimentação que nenhuma recriação artificial da paisagem sonora futebolística é capaz de substituir. As reações naturais e em tempo real da massa de torcedores são imprevisíveis e únicas a cada jogada. O som que sai dos alto falantes é apenas uma projeção daquele que é composto pela soma de milhares de vozes cantando em uníssono para empurrar o time para o ataque. E o jogador, nesses estádios vazios, é aquele ouvinte que dança elegantemente ao som de gravações e não aquele fã que pula, grita e canta em total entrega no show do seu artista favorito.

Dizem que o futebol da pandemia anda meio monótono. Será por falta dos tons da torcida? Ah, que saudades de gritar “gol” no estádio!

Alysson Siqueira é mestre em Música e professor da Área de Linguagens Corporal e Cultural do Centro Universitário Internacional Uninter

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