Minha Composição apresenta a trajetória da cantora Dolores Duran
Neste mês, a atriz Rosana Maris sobe ao palco da Sala Itaú Cultural para interpretar a artista carioca, uma mulher à frente do seu tempo, que viveu apenas 29 anos, mas marcou a música brasileira com parcerias com Tom Jobim e Carlos Lyra, e composições como A Noite do Meu Bem. Ela é acompanhada em cena apenas por um trio musical, sob direção geral de Luiz Fernando Marques (Lubi),direção musical de Fernanda Maia e preparação de atriz por Denise Weinberg
A vida e a obra de Dolores Duran (1930-1959), uma das compositoras brasileiras mais gravadas de todos os tempos, conduzem Dolores – Minha Composição, espetáculo inédito que entra em temporada no Itaú Cultural de 23 de março a 16 de abril (de quinta-feira a domingo). Com direção geral de Luiz Fernando Marques (Lubi), a peça mescla ficção e realidade, passado e presente. Acompanhada apenas pelos músicos Marcelo Farias, Pedro Macedo e Rodrigo Sanches, a atriz Rosana Maris vive o papel dessa mulher negra, artista e pobre, que alcançou o auge entre as décadas de 1940 e 1950 e virou um ícone da música popular brasileira, mesmo transitando em um universo masculino, preconceituoso e conservador.
Como toda programação do Itaú Cultural, a temporada é gratuita. Os ingressos devem ser reservados pela plataforma INTI (acesso pelo site www.itaucultural.org.br). Eles são disponibilizados semanalmente a partir da quarta-feira anterior à apresentação (seguem abaixo todas as datas de início das reservas).
O espetáculo revela a trajetória da artista como se fosse uma conversa entre Rosana e Dolores, na qual elas falam sobre solidão, amor, sonhos, opressão e construção de identidade racial. Ele é ambientado em três espaços diferentes – um bar, um show e a casa da artista –, levando ao palco histórias emblemáticas da cantora, suas composições e interpretações que ficaram marcadas na música brasileira.
Rosana canta clássicos como A Noite do Meu Bem e Fim de Caso, entre outros, acompanhada pela instrumentação de Farias, Macedo e Nunes, cuja música costura a história do espetáculo e a trajetória da cantora contada no palco. “Em alguns momentos, elas são mais ilustrativas, de momentos específicos da carreira dela, ou às vezes elas traduzem algum sentimento que Dolores descrevia em suas letras”, explica a diretora musical Fernanda Maia.
Além das canções, a peça contempla momentos pessoais de Dolores Duran e o seu relacionamento com notáveis personalidades da música brasileira, como Maysa, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. “Do ponto de vista da obra artística, é interessante porque, de uma maneira geral, é senso comum você colocar Dolores Duran naquele lugar do samba-canção, da fossa. Mas se hoje observarmos com esses olhos da solidão da mulher negra, do patriarcado, do machismo estrutural, começamos a enxergar essas letras também como um protesto, como um grito de socorro, ou de alerta, ou de denúncia”, conta Lubi. “É interessante pensar que ela é bossa nova, mas, antes da bossa ser nova ela já aponta na composição dela fundamentos e dinâmicas artísticas que depois foram se consolidar. Poucas vezes dão esse mérito para ela”, complementa.
Para ter essa dimensão da personagem e de sua música, Rosana passou por uma preparação executada pela atriz e diretora Denise Weinberg. “O processo de criação de Dolores - Minha Composição é muito delicado, porque não é uma questão de copiar a Dolores, isso é impossível. É mais uma apropriação do universo dela, de suas músicas, de seu temperamento”, explica Denise.
Inspiração e encontro
Assinando a concepção, dramaturgia e interpretação, Rosana Maris materializa nesta peça um desejo antigo de resgatar e dar mais luz à trajetória da artista, celebrada por ela como a maior compositora do país. Nessa caminhada, descobriu que Lubi também planejava fazer uma criação teatral sobre ela, potencializando, assim, esse encontro artístico e de sonhos na montagem.
“Eu creio que Dolores se comunica demais com as plateias de hoje, com tudo que ela representava lá nos anos 1940/1950, por ela ser uma pessoa que estava muito à frente da época”, diz Rosana. Para o diretor, a trajetória de Dolores marca a presença primeira da mulher neste universo musical: “ela foi a primeira artista que pesquisei para tentar fazer uma montagem, por ela ser esse primeiro eu lírico feminino na música brasileira, com um vasto volume de produção. Nessa perspectiva da intimidade do feminino eu acho que Dolores é icônica”.
Dolores
Dolores Duran foi uma artista negra de origem simples, que viveu a vida como quis. Subverteu padrões e revolucionou a música brasileira, com dezenas de canções que provocam até hoje sentimentos fortes que vão de saudades e espera à solidão e ternura, sempre carregando em seus versos amor e dor.
Tendo como nome de batismo Adiléia da Silva Rocha, nasceu na periferia do Rio de Janeiro, em 1930, filha de um sargento da Marinha, que faleceu quando ela tinha apenas 12 anos. Recebeu seu primeiro prêmio aos 10 anos, no Calouros em Desfile, programa de Ary Barroso.
Aos 16 anos, adotou o nome artístico de Dolores Duran. Autodidata, cantou músicas em inglês, francês, italiano e espanhol – a versão dela para o clássico estadunidense MyFunny Valentine ganhou elogios da compositora da canção, Ella Fitzgerald.
A estreia de Dolores em disco foi em 1952, gravando dois sambas para o Carnaval. Três anos depois casou-se com o radioator e músico Macedo Neto e foi vítima de um infarto e teve complicações de saúde por não seguir as recomendações médicas.
Foi uma das únicas parceiras mulheres a compor com Tom Jobim - Estrada do Sol, Se é Por Falta de Adeus e Por Causa de Você. Compositora e letrista, até hoje faz sucesso com canções como A Noite do Meu Bem, Castigo, Fim de Caso e Solidão. Também teve parcerias com artistas como Chico Anysio (Prece de Vitalina), Carlos Lyra (Se Quiseres Chorar, O Negócio É Amar) e Billy Blanco (Céu Particular).
Morreu em 23 de outubro de 1959, aos 29 anos, de ataque cardíaco.
Rosana
Rosana Maris é atriz, produtora cultural, dubladora e locutora. Começou a atuar em 2003 e desde então fez 10 produções teatrais, trabalhando com diretores como Ewerton de Castro, Flavia Pucci, Gabriela Rabelo, Enio Gonçalves, Barbara Bruno, Lauro Cesar Muniz e Inês Aranha, entre outros. Como produtora cultural participou de mais de 12 produções teatrais, trabalhando com importantes grupos de SP e também em parceria com o Instituto Cultural Capobianco.
Em 2017, começou a trabalhar como atriz no audiovisual, tendo participado de 13 produções, entre as quais a série Sintonia, que está prestes a estrear a 4ª temporada, na qual vive a personagem Jussara. Também esteve na série Cidade Invisível, de Carlos Saldanha, Mal Me Quer, de Ian SBF e em Hard, com direção de Rodrigo Meirelles. Já entre os longa-metragens, esteve em Dez horas para o Natal, de Cris D’Amato; Dois mais Dois, com roteiro e direção de Marcelo Saback; O Papai é Pop, dirigido por Caíto Ortiz; O Santo Maldito, de Gustavo Bonafé, e Pedágio, da Biônica Filmes, com direção de Carolina Marckovicz.
Cristina R. Durán/Asimp
#JornalUniãoLeia também: