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Cultura 30/11/2018  10h17

Uma cidade acima dos muros

Festival de Dança comemora 84 anos de Londrina com o espetáculo “Imprudências poéticas”, que alça bailarinos em guindaste no Zerão

“Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos, mas não há hoje, no mundo, um muro que separe os que têm medo dos que não têm medo”. Eis um trecho do memorável discurso de Mia Couto na Conferência de Estoril (2011), cujo tema era “segurança”. Este e outros textos do escritor moçambicano foram inspiração para a paulista Cia dos Pés construir “Imprudências poéticas”, espetáculo que acontece no solo e no alto de um guindaste de 30 metros para abordar poeticamente um tema bastante atual: as barreiras reais e imaginárias que construímos entre nós.

A montagem é uma extensão especial do 16º Festival de Dança de Londrina em homenagem aos 84 anos da cidade e integra a programação comemorativa da Prefeitura Municipal no dia 2 de dezembro, domingo, às 17h30, no Zerão. A maquinaria cenográfica será instalada no espaço onde acontece a Feira da Lua, bem em frente à rotatória da Rua Gomes Carneiro, do Moringão. A participação é gratuita e a classificação indicativa é livre.

“Trata-se de uma atração de grande impacto visual e que propõe uma ocupação inusitada para um espaço público, fazendo irromper beleza e reflexões profundas no cotidiano da cidade. Esta tem sido uma das características do Festival de Dança nos últimos anos, com bailarinos e performers em balões, em rapel nos prédios, no Calçadão, no Lago”, comenta Danieli Pereira, coordenadora geral do evento. O Festival tem patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura, por meio do Promic – Programa Municipal de Incentivo à Cultura.

Na proposta da Cia dos Pés, “Imprudências poéticas” é, literalmente, uma “interferência urbana”. Isso porque a realidade cinza e compartimentada da cidade não está só na configuração espacial do espetáculo, mas também nos seus conteúdos. Especulação imobiliária, ganância, ódio às diferenças, negação do outro e a acirrada competitividade são tematizados na narrativa como contemporâneos muros que nos separam tanto quanto aqueles de concreto. O espetáculo aborda estas questões de forma alegórica, por meio de uma linguagem híbrida entre a dança, o teatro e o circo. Neste sentido, é simbólica uma das imagens iniciais da peça: a suspensão nas alturas da bailarina Mariane Cerilo (que divide a cena com o ator Daniel Neves) enclausurada em uma imensa bolha transparente com água. Cena que tem direta relação com a proposta curatorial do Festival 2018, que, ao refletir sobre a deflagração das fake news, propunha ao público: “Vamos sair da bolha?”.

Além do texto da Conferência, a companhia dirigida por Angélica Zignani também mergulhou nos contos “As baleias de Quissico” e “A menina, as aves e o sangue”, todos de Couto. Perceberam que uma questão perpassava as reflexões sobre a segregação humana e a concorrência com o outro: a fome – chaga que, em pleno século XXI, acomete um a cada seis viventes do planeta Terra. A fome é uma “arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra”, alerta o escritor africano. Na perspectiva dele, incorporada pela Cia dos Pés, somos treinados a repetir padrões e a não questionar, como “militares sem farda” de um “exército sem nome”.

A companhia

Sediada em São José do Rio Preto (SP) e com dez anos de trajetória, a Cia dos Pés busca uma relação de aproximação de linguagens, explorando as artes performativas (dança, teatro, circo) e as artes plásticas. Participou de diversos festivais no Brasil e no exterior, com destaque para a Feria de Castilla y Leon (Espanha), onde foi contemplada com o prêmio de melhor espetáculo de rua (por “Asas”, de 2008), e o FITEI (Portugal). É a segunda vez que o grupo participa do Festival de Dança de Londrina. Em 2014, estiveram no evento com o infanto-juvenil “Expresso caracol”, em que um imenso molusco com casco de vime invadia a arena do Zerão. Com “Imprudências poéticas” (2018), décimo espetáculo, a companhia volta à dança aérea, linguagem que marca a sua origem.

“Imprudências poéticas” fecha a programação do 16º Festival de Dança de Londrina, que, nesta edição, mobilizou mais de 6 mil pessoas em espetáculos e oficinas nacionais e internacionais concentradas no mês de outubro. Os temas que nortearam a curadoria nesta edição foram a manipulação de informações no universo virtual e o protagonismo feminino. A mostra oficial foi fechada no dia 14 de outubro com quase cinco minutos ininterruptos de aplausos no Teatro Ouro Verde para a Cia Alias (Suíça), que apresentou pela primeira vez no Brasil o espetáculo “Antes”.

O Festival de Dança de Londrina tem patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de Londrina, por meio do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura). O evento é uma realização da APD (Associação dos Profissionais de Dança de Londrina e Região Norte do Paraná), com apoio institucional da Funcart e da Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina. Apoios: Pro-Helvetia (Fundação Suíça para a Cultura, apoio outorgado dentro do programa COINCIDÊNCIA – Intercâmbios culturais Suíça e América do Sul);  Loja Shop Ballet; Rádio UEL FM e Portal Duo.

Renato Forin Jr./Asimp

#JornalUnião

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Imprudências Poéticas - Cia dos Pés - Foto: Bruno Camargo
Imprudências Poéticas - Cia dos Pés - Foto: Bruno Camargo
Imprudências Poéticas - Cia dos Pés - Foto: Bruno Camargo

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