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Está em vigor, em todo o País, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. A nova legislação, que tem como princípios a inclusão social e a cidadania, traz avanços importantes, como a garantia de melhor acesso à saúde e à educação, e prevê punições para condutas discriminatórias. É importante destacar que ela não exclui as leis existentes que tratam do assunto, mas vem para aprimorá-las.

Dentre os principais pontos da lei, está a proibição da cobrança de valores diferenciados, em razão da deficiência, por parte de planos e seguros privados de saúde. De acordo com a procuradora de Justiça Rosana Beraldi Bevervanço, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça (Caop) de Defesa dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência do MP-PR, essa é uma prática muito comum e a vedação à cobrança é um avanço bastante significativo.

Outra questão que merece destaque, segundo a procuradora de Justiça, é a proibição de escolas particulares cobrarem o pagamento de taxa extra para cobrir os custos com adaptações e recursos de que o aluno com deficiência necessita, algo frequente nas instituições de ensino do País. “Quando não recusam a matrícula, exigem um valor extraordinário, atitude que é irregular e está proibida”, ressalta.

A promotora de Justiça Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, que atua no Caop da Criança e do Adolescente e da Educação, lembra que o Ministério Público do Paraná já emitia, desde 2010, recomendações administrativas às unidades educacionais privadas e às secretarias e conselhos de educação, com o objetivo de coibir essa prática. Para ela, a nova legislação será fundamental para impedir definitivamente esse tipo de discriminação, já que prevê inclusive punição para a cobrança de taxa extra na matrícula e contextualiza a oferta do serviço como efetiva política pública.

Outros avanços

O novo estatuto traz princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que data de julho de 2008. Nesse aspecto, Rosana Bevervanço destaca outros pontos importantes da nova legislação:

- Formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de guias, intérpretes e de profissionais de apoio na escola. Além disso, a lei garante sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, e acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades com as demais pessoas;

- Uma nova perspectiva sobre as pessoas com deficiência, a partir da retirada da abordagem técnica do conceito de deficiência, que agora passa a depender do grau de interação com a sociedade. Ou seja, quanto mais o meio apresenta barreiras, impedindo a participação plena de uma pessoa na sociedade, maior é a deficiência dela;

- Ampliação dos direitos da pessoa com deficiência na área de saúde pública, tornando obrigatória a concessão de próteses, órteses e outros recursos necessários à habilitação e à reabilitação;

- O planejamento familiar: a lei assegura à pessoa com deficiência a liberdade plena de constituir família, de se casar ou manter união estável, de decidir sobre o número de filhos e de conservar sua fertilidade;

- O estatuto aponta ainda que empresas que mantêm no seu quadro de funcionários vagas para pessoas com deficiência devem ter prioridade na contratação com o Poder Público em processos licitatórios. Para isso, a organização também deve comprovar que oferece requisitos de acessibilidade, sejam eles arquitetônicos, tecnológicos, comportamentais ou de comunicação;

- Criminalização do preconceito por meio de punições, como a detenção de um a três anos para quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, e a reclusão de um a quatro anos para quem se apropriar de ou desviar bens, proventos, pensão, benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com deficiência. É importante destacar que são crimes de preconceito negar emprego, educação, atendimento de saúde, dentre outras situações, a essa parcela da população.

Garantia de direitos

A procuradora de Justiça Rosana Bevervanço enfatiza que a lei possibilita aos operadores do Direito – em especial o Ministério Público – coibir abusos e cobrar a implementação de políticas públicas, contribuindo para que os desafios da pessoa com deficiência sejam superados.

Ela também ressalta, para a efetivação dos direitos, a necessidade de implementação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Pessoa com Deficiência em cada cidade. Caso o município ainda não conte com um órgão como esse, existe o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que recebe denúncias de irregularidades. Além disso, a população pode recorrer às Promotorias de Justiça de sua comarca.

A procuradora de Justiça salienta ainda que o MP trabalha intensamente para ver o momento em que a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, o respeito e inserção plena na sociedade sejam tão naturais que não precise haver lei específica para isso. Apesar disso, Rosana considera o Estatuto um avanço e afirma que será necessário um trabalho intenso para que os resultados aconteçam, considerando, principalmente, que a situação envolve uma mudança de cultura.

Igualdade de oportunidades

O estatuto também prevê que a pessoa com deficiência deve ter acesso ao trabalho de sua escolha, em igualdade de oportunidades com os demais. É nesse contexto que o educador físico João Vitor Mancini Silvério, que tem Síndrome de Down, destaca a importância da lei. Ele trabalha há quatro anos como professor de atividades aquáticas em uma escola particular de Curitiba e afirma que ter uma profissão deve ser direito de todos. “Estar inserido na sociedade é fundamental para a vida de qualquer pessoa e ter um emprego representa muita coisa para o meu coração. Tenho orgulho de mim mesmo, da minha coragem e da minha determinação de sempre seguir em frente”, relata João Vitor, que lamenta o fato de seu caso ser ainda uma exceção. Hoje ele também dá suporte em aulas de pilates e chegou a dar aulas de ginástica laboral em uma empresa, antes de trabalhar no colégio.

Apesar de reconhecer suas conquistas, o educador físico conta que encontrou muitas dificuldades ao longo do caminho, desde a escola, passando pela faculdade, e até hoje, nas relações de trabalho. Ele diz que ainda sofre discriminação, preconceito, alguns duvidam da sua capacidade e isso muitas vezes não lhe permite mostrar seu potencial. “Tenho sempre que demonstrar que meu tempo é, sim, diferenciado, mas que isso não me impede de aprender”, afirma. Além disso, João Vitor enfatiza que chegou aonde está principalmente pelo incentivo e força de vontade de seus pais, que sempre investiram e acreditaram em uma educação regular para ele.

Foram necessárias adaptações, atividades complementares e muitas horas de estudo, além do tempo dedicado na escola e na faculdade para facilitar seu aprendizado. “É por isso que a lei é muito importante”, destaca João. “Nós não tivemos essa base, mas agora as famílias podem se sentir mais confiantes em relação ao atendimento que terão. O estatuto representa também um ganho para a escola, já que nós, professores e educadores, temos que ter esse apoio para que possamos inserir a pessoa e não excluí-la”, argumenta.

Importância da lei

A mãe de João Vitor, Roseli Mancini Silva, relata que o filho tinha dois anos de idade, quando, em 1989, optou por matriculá-lo em uma escola regular. “Na época isso não era comum, mas nunca tivemos dúvida de que seria o melhor para o desenvolvimento do João. Arriscamos e o resultado aconteceu”, conta. No entanto, a família ouviu muitos “nãos” até encontrar uma escola para o filho. Segundo Roseli, o argumento era sempre a falta de preparo e a ausência de professores capacitados. Na faculdade, os profissionais também não souberam lidar, no início, com o fato de haver um aluno com Síndrome de Down na turma e as adaptações para João eram feitas dentro do possível, à medida que as necessidades surgiam.

Ela também conta que da sétima série (hoje oitavo ano) até o fim do Ensino Médio foi preciso arcar com uma tutora, que acompanhava João nas aulas todos os dias. “Pagávamos quase o valor referente a uma outra mensalidade para manter a profissional. Financeiramente era muito pesado pra gente e contei muitas vezes com a ajuda do meu pai”, revela. Hoje, por força da nova lei, as escolas têm o dever de oferecer profissionais de apoio aos alunos com deficiência. Para a mãe de João Vítor, essa garantia precisava mesmo existir em lei, porque nem todas as famílias têm condição de pagar por um tutor, por exemplo. “Deve ser papel da escola oferecer esse tipo de apoio e o estatuto vai contribuir para que os pais tenham uma garantia de melhor qualidade de ensino e de atendimento para seus filhos.” Roseli pondera, por outro lado, que a escola inclusiva ainda é uma utopia e que, nesse sentido, a lei é um começo para que a situação mude, mesmo que a longo prazo.

Inclusão

A diretora-pedagógica do colégio em que João Vitor trabalha, Mariza Pan, compartilha da opinião de Roseli e complementa que o significado de inclusão é dar condições para que a pessoa possa exercer a cidadania plenamente. Foi ela quem convidou João Vitor para dar aulas, já que conhecia sua trajetória. O educador físico estudou na escola até o Ensino Médio, teve a oportunidade de fazer alguns estágios por lá e, assim que se formou, deixou o currículo para análise, sendo contratado pouco tempo depois. Sobre a nova lei, Mariza comenta que, se todas as instituições de ensino trabalhassem com o processo inclusivo, não haveria necessidade de um estatuto obrigando a aceitação de matrículas de alunos com deficiência.

“Muitas escolas alegam que não estão preparadas para a inclusão, mas o preparo é conquistado no dia a dia. Temos que aprender a olhar para cada aluno como um ser único, acolhendo-o e percebendo-o por inteiro, sendo ele uma pessoa com deficiência ou não”, comenta a diretora. “O problema é que a escola sempre foi preparada para trabalhar com a média, sendo que o seu dever é atender quem quer que seja”, ressalta. Mariza complementa que a escola inclusiva ainda não é uma realidade, pois as instituições não conseguem atender o aluno com deficiência em todas as suas necessidades de aprendizagem. Ela afirma que muitas vezes têm que desempenhar atividades que estão aquém da capacidade deles, sem que a sua potencialidade seja realmente explorada.

Nesse contexto, João Victor afirma que o aluno com deficiência precisa ser estimulado a se desenvolver até que se descubra aonde é capaz de chegar. "Tenho orgulho de mim mesmo, da minha coragem e da minha determinação de sempre seguir em frente”, finaliza.

Para saber mais sobre o tema, ouça a entrevista de rádio sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência (parte I e parte II), gravada com a procuradora de Justiça Rosana Beraldi Bevervanço.

Asimp/MP/PR

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