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A questão que está prestes a ser votada através do PL 399/2015 deve ser analisada com critério, na opinião de especialistas na área da saúde; para eles, a regulamentação pode ser uma porta aberta para a legalização da maconha no futuro

A Câmara de Deputados deve votar nos próximos dias a Minuta de Substitutivo ao Projeto de Lei 399/2015 que trata do cultivo, processamento, pesquisa, produção, industrialização e comercialização de produtos à base de cannabis.

Na opinião da psiquiatra Alessandra Diehl, especialista que atua em pesquisas científicas sobre a dependência química, trata-se de um tema extremamente controverso, complexo, mas relevante para a sociedade discutir e que não pode ser levado a cabo com essa rapidez, sem a análise de pormenores por parte das autoridades que participam do pleito. “A sociedade civil, a classe médica, além de mães e familiares de portadores de doenças epiléticas raras, que são o público alvo que pode ser beneficiado com medicamentos à base de canabidiol (CBD), todos precisam ser ouvidos antes da tomada de uma decisão derradeira sobre a regulamentação da substância e flexibilização de leis pré-existentes. Acredita-se que, por trás da regulamentação do plantio da maconha para possíveis fins terapêuticos, há imensos interesses políticos e econômicos. "Os estudos que apontam para a eficácia de tratamentos com remédios que levam canabinóides em sua composição ainda são incipientes e sem resultados positivos comprovados para uma série de condições, a exceção do uso compassivo para epilepsias raras da infância e esclerose múltipla ”, alerta Alessandra.

Na opinião dela, a sociedade deve se questionar sobre quem vai de fato ficar com todo o lucro de diversos mercados interessados nesta ampla minuta e quais serão os possíveis prejuízos e custos envolvidos que o Estado Brasileiro e ou a sociedade deverão arcar. Além disso, esse pode ser o primeiro passo para a legalização da droga num sentindo mais amplo. “Já vimos essa estratégia em outros países, onde a aprovação de produtos para fins terapêuticos da cannabis foi uma porta para a legalização da substância. Antes de abrir uma brecha muito grande, acredito que devemos concentrar nossos esforços em pesquisas que realmente apontem benefícios para pacientes que utilizam os canabinóides em tratamentos médicos. Essa questão deve ser revista com muita responsabilidade, segurança e ética, para que o afrouxamento da legislação não traga agravos à saúde dos brasileiros nos seus quatro extremos, já que estamos falando de um país de proporções continentais”, altera a psiquiatra.

Ela ressalta que as entidades médicas não querem demonizar essa questão, mas promover um debate sério e questionador, com o respeito que o tema merece. Algumas autoridades da saúde defendem que, antes da aprovação, esse medicamento a base de cannabis precisa ser avaliado exaustivamente por meio de pesquisas científicas criteriosas com ensaios clínicos randomizados duplo cego e placebo controlado, uma metodologia que vai sinalizar e garantir avaliações da eficácia do medicamento. “Aliás, esse produto deve seguir os mesmos trâmites que temos no Brasil e no mundo para a produção e venda de qualquer outro medicamento. Saliento que o assunto é complexo e precisamos entender os diversos lados da mesma questão, baseados em evidências científicas, aponta Alessandra.

A psiquiatra acrescenta que a Anvisa já regulamentou o uso do CBD em outra normativa para tratamento de pacientes com epilepsias refratárias, para que possam ter acesso compassivo à essa droga. “Entendemos que, de um lado, existe um apelo das pessoas e famílias que seriam beneficiadas com essa substância. Mas, do outro lado, há um imenso número de relatos de outras mães, endossados por artigos científicos, além da prática clínica, que demonstram o quanto a maconha, principalmente fumada, pode ser prejudicial à memória, à cognição, aumento de taxas de suicídio, sem falar nos acidentes de trânsito e esquizofrenia que têm ligação com o consumo da maconha. Por isso, nossos deputados federais, devem refletir se temos condições de regulamentar e, posteriormente, fiscalizar esse projeto de lei, que é "generoso" e abrangente, e que pode repercutir negativamente no nosso futuro”, observa Alessandra.

Interesses econômicos estão ocultos no debate sobre regularização

No último sábado, 29 de agosto, a convite da deputada Bia Kicis, o conselheiro da ONU Kevin Sabet participou de uma Live sobre a regulamentação da maconha para produção de medicamentos no Brasil. Ele mostrou-se contrário à regularização e afirmou que toda essa discussão envolve um componente que não aparece nos debates: o enriquecimento da indústria do narcotráfico. “A maconha virou uma commodity e fonte de lucro como o álcool e o tabaco. Não podemos esquecer que a essa droga traz muito dinheiro para um grupo, os narcotraficantes, e essa é a intenção que está por trás dessa discussão: o enriquecimento a partir de uma droga ilícita. Embora exista uma parcela que acredita que a regulamentação tem uma finalidade medicinal, a verdade é que o grande interesse é econômico”, destaca Sabet.

Na opinião dele, a regulamentação da maconha não diminui o tráfico e apenas aumenta o consumo e a violência, além de destruir famílias. “Não se trata de uma substância inofensiva, como muitos dizem ao glamourizar o uso recreativo da erva. Existe um mito de que maconha não vicia e a substância causa sim dependência química. A minha posição não partidária e, nesse debate, deve prevalecer a preocupação com a saúde pública. Alguns jovens caem nessa armadilha e o Estado jamais deveria estimular o uso desse entorpecente que é maléfico. Vale salientar também que a maconha consumida hoje em dia é bastante adulterada, o que a torna ainda mais prejudicial à saúde”, afirma o conselheiro da ONU.

Kevin Sabet conhece de perto a realidade dos Estados Unidos, que é o país que mais sofre com a overdose no mundo. Ele foi consultor em diversos governos daquele país. Ele também já esteve no Brasil, andou pelas ruas de São Paulo e viu que esse é um problema real por aqui também e argumenta que quando o governo dá ok para uma droga, acaba estimulando o consumo. “Então, para que trazer mais um incentivo para o consumo, sendo que o benefício é apenas para a indústria do narcotráfico?”, questiona.

De outro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), posicionou-se por meio de nota que confere apoio institucional à regulação do plantio, da cultura e da colheita de cannabis exclusivamente para fins medicinais e científicos, nos termos do parágrafo único do art. 2º da Lei de Drogas, permitindo-se que associações e pessoas necessitadas possam participar de todas as etapas de produção. A nota foi emitida em 7 de outubro de 2019 pelo Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB, por unanimidade.

Giovana Chiquim/Asimp

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